O Pai de Santo André Vicente registrou boletim de ocorrência depois de o terreiro que dirige ser alvo de buscas duas vezes - (crédito: Edis Henrique Peres/CB/DA Press) |
Lideranças de terreiros de Águas Lindas de Goiás, Girassol e Edilândia,
todas em Goiás, denunciam ações truculentas de militares em ao menos 10 templos
desde que Lázaro Barbosa, 32 anos, começou a ser procurado na região.
Em Águas Lindas, distante cerca de 50km
de Brasília, o pai de Santo André Vicente de Souza, 81 anos, registrou um
boletim de ocorrência na noite de sexta-feira (18/6) após o terreiro dirigido
por ele ser alvo de buscas duas vezes em uma semana, segundo ele, de forma
abusiva e violenta. "Deixa a gente emocionado. Eles bateram no meu
caseiro. Eu disse para eles: quem responde aqui sou eu!”, relatou.
Segundo Pai André, os militares que
buscam por Lázaro Barbosa, apontado como o autor da chacina de uma família de
quatro pessoas, em Ceilândia (DF), estiveram no terreiro pela primeira vez na
terça-feira (15/6). “Na primeira vez que vieram, eles (policiais) bateram no
meu caseiro e eu não estava em casa”, contou.
Três dias depois, na sexta-feira
(18/6), os militares voltaram e, mais uma vez, agiram com violência, enquanto
perguntavam sobre o paradeiro de Lázaro. “Eles puxaram ele (caseiro) e bateram
de novo, com cano de foice. Bateram nas coxas, nádegas, costelas, panturrilha.
Ele está todo dolorido”, relata o religioso.
Pai André garante que as imagens de
símbolos religiosos divulgadas pela polícia como se fossem da casa de Lázaro,
são, na verdade, do terreiro comandado por ele. O religioso denuncia que, além
das agressões físicas e verbais, objetos religiosos e portas foram quebradas.
“Eles já chegaram com agressão e palavras. Eu disse ‘eu já tenho idade para ser
avô de vocês’. E eles gritando ‘cala a boca’, dizendo que ‘vai apanhar’ e que
quem ‘fala demais..’, não sei bem a expressão", lembra. O caseiro foi
encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) para exame de corpo e delito.
Intolerância e preconceito
Lázaro Barbosa tem sido associado às
religiões de matriz africana de forma preconceituosa. Há 11 dias sendo
procurado, ele é apontado como principal suspeito do assassinato da família
Marques Vidal, em 9 de junho. As buscas da polícia reúnem 270 agentes divididos
entre as forças de segurança do Distrito Federal e de Goiás.
Tata Ngunzetala, líder afro tradicional
do candomblé de Angola denuncia que, desde o início da caçada a Lázaro,
diversos terreiros da região onde ele está escondido são invadidos pela
polícia. “Só na região de Águas Lindas, Girassol e Edilândia já cadastramos
mais de 10 casas que foram abordadas ostensivamente, inclusive com
arrombamentos e tentativas de pular o muro”, afirma.
Isabel Cristina Moreira, 57 anos, ou
Mãe Bel, lidera a casa Ilê Asé Olona, no distrito de Girassol, Cocalzinho (GO),
há pouco mais de um ano. “Ao contrário do que se imaginaria, aqui a gente sente
dois medos: de Lázaro poder invadir a nossa casa, e da polícia, que sempre
invade”, declara.
Mãe Bel relata que os policiais da
força-tarefa estiveram na Casa Ilê Asé Olona quatro vezes. “No domingo (13/6)
vieram aqui e não quiseram entrar. Na terça-feira (15/6) veio outro grupo, e
minha casa ficou parecendo um local de treinamento de guerra. A polícia com
viaturas, incitando, falando que estávamos escondendo meliantes, embora eu
dissesse que não”, detalha.
Segundo Mãe Bel, na quinta (17/6) à
noite, militares jogaram luz dentro do templo e as cachorras começaram a latir.
O primeiro pelotão não entrou, mas depois de cerca de uma hora, outra viatura
chegou. “Eu avisei que um grupo de policiais tinha acabado de sair. Quando deu
11 horas da noite, eu acordei com outra equipe já aqui dentro do meu terreiro.
Tinham pulado a cerca e estavam com armas e agindo como se a gente estivesse
escondendo bandido”, conta.
Na sexta-feira (18/6), de novo, Mãe Bel
teve a casa vistoriada pelos agentes. “Eles agem com grosseria, mandam a gente
calar a boca, invadem a nossa casa. A nossa religião sempre foi marginalizada,
mas esse tipo de preconceito, como se a gente fosse satânico, é demais. Em
pleno século 21 e as pessoas ainda desconhecem tanto da nossa religião, é
assustador. Eles (os policiais) só não arrombaram as portas porque eu falei que
estavam errados e não deixei”, explica.
Mãe Bel não registrou boletim de
ocorrência. “Eu sei que o boletim não vai resolver nada. Mas na segunda-feira
(21/6) queremos fazer uma reunião e conversar sobre isso. É muita desinformação
das pessoas e até da polícia, nos ligando a esse Lázaro."
Posição da Secretaria de Segurança
A reportagem do Correio entrou em
contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO), no
entanto, até a última atualização desta reportagem, a pasta não se manifestou
sobre a ação dos agentes. A PM de Goiás esclareceu que quem responde pela
operação é a SSP/GO. O espaço segue aberto para manifestação.
Fonte: Correio Braziliense