O
professor Carlos Alberto Decotelli não resistiu cinco dias no cargo de ministro
da Educação. E, antes mesmo de tomar posse, foi vencido por uma série de
denúncias sobre informações falsas no currículo dele.
Carlos Alberto
Decotelli entregou a carta de demissão ao presidente Jair Bolsonaro no início
da tarde desta terça-feira (30). A Secretaria Geral da Presidência confirmou
que a demissão será publicada nesta quarta (1) no Diário Oficial da União.
Decotelli foi aconselhado a deixar o cargo depois que o currículo apresentado
por ele foi desmentido por instituições de ensino.
A nomeação de
Decotelli ocorreu na quinta-feira passada (25). No dia seguinte, a Universidade
Nacional de Rosário, na Argentina, negou ter dado a Carlos Decotelli o título
de doutor em Ciências Econômicas. Ele cursou as matérias, apresentou a tese,
mas não foi aprovado.
Aí começaram os
ajustes no currículo que ele havia publicado. No lugar do doutorado, ficou
créditos concluídos, sem defesa de tese. No sábado (27), indícios de plágio na dissertação
de mestrado na Fundação Getúlio Vargas. O professor e doutor em economia Thomas
Conti analisou o trabalho de Decotelli e encontrou vários trechos literalmente
copiados de outros, publicados antes, sem o devido crédito.
Nesta terça, a
repórter Larissa Schmidt entrevistou o professor e diretor substituto da PUC do
Chile Enrico Rezende que também analisou a dissertação. Ele avalia estudos para
escolher projetos e buscar indícios de plágio. Enrico pesquisou o trabalho
inteiro ao ver as notícias sobre as inconsistências no currículo de Decotelli.
Nesse
documento, ele destacou por cores os trechos copiados de diferentes autores.
São páginas e páginas com parágrafos recortados de relatórios do Banrisul - o
Banco do estado do Rio Grande do Sul -, publicações acadêmicas e de seis
trabalhos de pós-graduação feitos por alunos de diferentes universidades
brasileiras. Na maioria das vezes, as alterações são mínimas. Em alguns casos,
não há qualquer diferença em relação ao trabalho original. O professor concluiu
que em torno de 70% da dissertação é plágio.
“Das 73 páginas de
texto da tese, 53 a gente pode constatar que são plagiadas, são cópias literais
de outros textos com pequenas modificações. E isso, no sentido do título de
mestrado, não é aceitável. Portanto, o título deve ser provavelmente revogado.
Agora, as implicações internacionais também são outras, que é a imagem que esse
tipo de situação passa para o cenário internacional”, destaca Enrico Rezende.
Nesta segunda (29),
também se desmanchou o pós-doutorado que Decotelli informou ter. A negativa
veio da própria Universidade de Wuppertal, na Alemanha. Ele passou três meses
pesquisando em 2016, mas não fez pós-doutorado na universidade alemã.
Nesta terça, a
professora orientadora disse que o projeto de pesquisa apresentado por
Decotelli não foi aceito pela empresa Krone. Essa informação contraria a versão
apresentada pela assessoria de imprensa do MEC, que dizia que a pesquisa do
pós-doutorado teve o apoio da empresa.
Com essa revelação,
Decotelli fez mais dois ajustes no currículo. Saiu o pós-doutorado, entrou
“construiu um projeto de pesquisa”. Depois, apenas “participou de um projeto de
pesquisa".
A nomeação de
Decotelli, que parecia promissora, ficou insustentável. Decotelli teve um
encontro, nesta segunda, com o presidente da República. Tentou se explicar, mas
não convenceu. O presidente chegou a elogiar Decotelli em rede social, mas
também destacou o equívoco que cometeu.
Na tarde desta terça,
que seria a posse de Decotelli, foi o desfecho dessa passagem relâmpago pelo
MEC. A saída de Decotteli foi confirmada pelo assessor especial dele:
"Encontrei. Ele estava saindo com a carta de demissão que ele ia entregar
ao presidente".
Também
foi rápido o encontro com o presidente quando Decotelli pediu para sair. Durou
menos de 15 minutos, segundo interlocutores do Palácio do Planalto, e só o
ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto, testemunhou a conversa. Bolsonaro
agradeceu a “rápida estadia dele no cargo”. Mas, na verdade, sem ter tomado
posse, Antônio Carlos Decotelli da Silva nem chegou a ser ministro de fato.
O ministro do Gabinete
de Segurança Institucional, Augusto Heleno, disse, em uma rede social, que “o
GSI/ABIN examinam sobre quem vai ocupar cargos no Governo, antecedentes
criminais, contas irregulares e pendentes, histórico de processos e vedações do
controle interno. No caso de ministros, cada um é responsável pelo seu
currículo”.
Decotelli foi o
terceiro ministro da Educação em um ano e meio de governo.
O Conselho Nacional de
Secretários de Educação disse que espera que o “nome a ser escolhido para o MEC
seja de bom diálogo e com capacidade de gestão, apto a conduzir a educação
brasileira de forma sintonizada com os anseios da sociedade”; e que “mais do
que nunca, após um ano e meio de espera por resultados que não chegam, o
critério técnico deve prevalecer nessa escolha. Não há mais espaço para erros
nem experimentos”.
O Todos pela Educação
afirmou que a instabilidade no MEC agrava a crise no setor, que até agora o
país não teve um ministro da Educação. Falta resposta, reação à altura da
importância do ministério. O Todos pela Educação cobrou coordenação do governo
federal dos esforços de estados e municípios numa mesma direção, com diretrizes
claras.
A presidente da
Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé, disse que o entre e
sai do ministério demonstra a falta de preocupação do governo com a educação:
"A instabilidade no Ministério da Educação tem uma origem: é a falta de
prioridade do governo Bolsonaro na educação. O MEC virou um grande balcão de
negócios entre vários setores do governo e nenhum deles interessados em fazer a
gestão da educação”.