Quando uma família precisa afirmar publicamente que um membro possui o diagnóstico de TDAH em vez de Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou quando um indivíduo precisa dizer que está frequentando um “terapeuta” em vez de um psicólogo, ou ainda um “especialista” em vez de um psiquiatra — a fim de escapar do preconceito e discriminação — parece que estamos diante de uma sociedade medieval, carregada de mitos, estigmas e superstições!
No ambiente religioso, o preconceito é mais dramático. Um fiel pode fazer uso de insulina e medicações para tratamento, por exemplo, dos rins, fígado, coração, articulações, pele, pressão alta — um catatau de substâncias e drogas — e ainda ser considerado uma “benção”, “ungido” pela comunidade de fé. Mas ai daqueles que fazem uso de medicamentos “controlados”, utilizados para a “cabeça”, como são frequentemente mal vistos ou desacreditados!
Nossa sociedade insensível não só discrimina os que padecem de transtornos mentais, psicológicos ou emocionais. Em muitos casos, ela mesma os fabrica. No primeiro momento, diante dos solavancos da vida, o indivíduo começa a apresentar os primeiros sinais de crise interior. Sintomas de ansiedade aparecem, mas não tratados, avançam para sintomas de depressão. A esta altura, o quadro doentio torna-se mais visível e evidente. Desprovidos de empatia, alguns “espalham” sobre a condição do indivíduo, através de falatórios e fofocas.
A partir daí, estabelece-se sutilmente sentimentos de medo, exclusão, abandono e preconceito pelo grupo social. A criatividade popular entra em cena com suas elucubrações maliciosas; a atividade diária do indivíduo é monitorada. Um gesto ou uma fala extravagante gera olhares e comentários maldosos. Uma publicação excêntrica, por exemplo, desencadeia dúvidas sobre a sanidade mental do indivíduo — “viram como está louco!”. Seria cômico se não fosse trágico. A discriminação e a rejeição social aumentam. O indivíduo, momentaneamente doente, percebe e cai em maior sofrimento. A autoestima despenca e a necessidade de isolamento cresce. O ciclo vicioso se consolida, de modo que aquela condição do indivíduo, leve e temporária, evolui para algo grave ou definitivo.
Por fim, temos que refletir sobre o drama do autismo em nosso meio. Um estudo conduzido pelos Estados Unidos envolvendo cientistas de todo o mundo busca provar a existência de uma “epidemia” de autismo e elucidar suas causas até setembro de 2025. De acordo com o secretário de Saúde Americano, Robert F. Kennedy Jr., a prevalência de autismo nos USA é de uma criança a cada 31, e entre os meninos 1 em cada 12,5. Em 1987, a relação era de 1 criança a cada 10.000. Dadas as projeções, é razoável supor que em poucas décadas, talvez teremos uma sociedade, não só nos USA como no Brasil, composta em sua maioria por indivíduos autistas.
Até lá, precisamos criar um ambiente social humanizado, no qual as pessoas sintam-se seguras e confortáveis para buscar diagnóstico e tratamento, visto que quase não se fala de autismo entre adultos. Quando o Transtorno do Espectro Autista for desmitificado, as famílias poderão compartilhar melhor suas experiências e vivências e quebrar barreiras que limitam ou impedem a aceitação, adaptação e superação desta condição/deficiência.
Geferson Carvalho, servidor público em Miguel Calmon.
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